Um pedaço do tempo
outubro 22, 2015
PALAVRAS DO CORAÇÃO
Quando se tem uma criança de quatro anos passando férias escolares em casa é que você descobre como tudo muda. Muda a hora de levantar, de comer, de dormir e trabalhar. Muda seu ponto de vista do mundo. Com ela pertinho de você as coisas em volta ficam menos importantes. E se a importância das coisas for maior do que ela, ela mesma reorganiza a hierarquia e esclarece: hoje sou o centro do universo, porque não terei quatro anos para o resto da vida e você precisa me ver agora, compartilhar comigo o que estou descobrindo e o mundo encantado onde vivo de vez em quando.
A memória não guarda muitos registros desse lugar que um dia também já foi meu, mas revisitá-lo é parte da diversão, apesar das inúmeras puxadas de orelha que levo (dela) pela falta de traquejo.
Às vezes me pego perguntando se um dia também fui assim ou se fazia isso ou aquilo. Conviver com uma pessoa de tamanho P que tem energia para distribuir e conversa com você de igual para igual é no mínimo surpreendente.
Não me canso de olhar para ela e ter vontade de dividir aquele momento com mais gente, porque sei que é único. Tudo pela primeira vez tem sabor mais doce. Cada palavra nova, cada limite transposto, cada opinião e ponto de vista que ela desenvolve faz daquele pedaço do tempo especial. Pena que o arquivo das lembranças não tem capacidade ilimitada, ao menos não consciente, para armazenar tantos minutos especiais. Elas vão se sobrepondo, apagando-se e agente vai se alimentado do que acabou de acontecer.
Ela, como toda criança, tem pressa de crescer. Se soubesse o quanto é bom viver a infância sem ansiedade! Mas, só se tem consciência disso depois que o tempo do faz de conta acaba. E é assim que acontece com tudo na vida. Apenas quando nos vemos distantes do vilarejo onde mora a última experiência é que, de lá das montanhas, com visão panorâmica de tudo, é que descobrimos para que serviu aquele capítulo que acabou.
O tempo não para e os momentos vão acontecendo, mas tenho a impressão de que quando é possível dividi-los com alguém, duram mais, têm mais cheiro, cor e a memória disponibiliza lugar de honra para eles. Como se compartilhar multiplicasse a intensidade da experiência.
Comecei o texto de hoje falando da minha sobrinha, porque um dia antes vivi um desses momentos especiais que dá vontade de gravar para rever depois. Mas, enquanto escrevia, fui novamente surpreendida. Acho que vale a pena contar, mesmo que descrever a cena não seja tão contagiante quando presenciá-la.
Eu estava concentrada, escrevendo este mesmo texto que você está lendo. Ao longe, ouvia uma voz infantil que oscilava entre muito alta e quase imperceptível, mas num sobe e desce ritmado que me deixou intrigada. Parei o que estava fazendo e fui atrás do som. Claro que eu sabia que era ela, sua vozinha é inconfundível, mas queria saber qual era a arte em andamento.
Abri a porta do quarto e ela rapidamente soltou: “titia, olha o que a gente faz! Vai vovô!...” E então presenciei uma cena que deixou o meu dia com cara de festa. Com as duas mãozinhas fechadas a marcar o ritmo, ela e ele cantavam a música “Se essa rua fosse minha”, alternando altura e velocidade a cada conjunto de verso. As mãozinhas fechadas subiam e desciam para marcar o tempo e ela pulava junto com tanto entusiasmo que até perdia o fôlego. Quando a altura e velocidade aumentavam, ela pulava na mesma alegria e quando abaixavam, quase sussurrava a letra da música. O melhor de tudo era ouvi-la rindo depois de cada repetição; afinal,se está bom, para que parar? O avô, alguém que ninguém consegue imaginar fazendo parte de uma cena como essa, divertia-se tanto quanto e disputava o primeiro lugar na qualidade de risadas divertidas.
Fui apenas espectadora, discretamente emocionada, até ser inserida no ato pela estrela do show. A versão seguinte era cantar toda a música com voz grave, e o avô ainda caprichava na interpretação, como se fosse um senhor enorme e barrigudo cantando num desenho animado. Risadas? Mais do que você pode imaginar! E eu pensando o quão valioso estava sendo aquele espetáculo que com certeza, não teria bis. Mesmo que ela voltasse a brincar do mesmo jeito, o momento seria outro.
Outro dia, conversando com um amigo, falávamos da questão felicidade. Segundo sua opinião, a felicidade plena é questionável, mas não os momentos felizes, ou seja, felicidade é feita de momentos e se você quer se considerar uma pessoa feliz, valorize-os. Fique atenta(o), pois são passageiros e não mandam aviso de que estão para acontecer.
Esse foi apenas um de tantos que tenho o privilégio de viver cada vez que essa pessoinha fofa está por perto. Um pequeno tesouro de felicidade que só pude mesmo eternizar escrevendo, pois outros momentos virão e a memória seletiva não garante lugar vip para todos.
Para finalizar as palavras de hoje, a dica é a seguinte. Aproveite os bons momentos. Filhos, sobrinhos, avós, pais, amigos, amores, paisagens, músicas, sensações, lembranças legais, saudades carinhosas, lugares especiais, pensamentos positivos... Todos e outros, são oportunidades para viver momentos felizes, só depende de você valorizá-los e aproveitá-los. Não tenha pressa, deixe que o relógio seja responsabilizado pelo atraso para chegar ao compromisso, mas não deixe de ver os cinco minutos de fama particular que seu filho está oferecendo para você, ou ouvir as palavras carinhosas de alguém que está por perto e quer lhe desejar um ótimo dia.
Desperte seus sentidos. Enxergue, ouça e sinta melhor. A vida é cheia de momentos difíceis, mas é mais sábio ocupar nossos arquivos com os melhores e mais felizes.
Grande beijo e muitas doses de alegria para seu dia!
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